terça-feira, 1 de maio de 2012

A exibição do filme proibido por Sarney

Esta oportunidade não é para relatar fatos do trabalho de jornalista, mas relembrar um fato que me ajudou, e muito, na formação profissional. Mais, com certeza, que uma pós-graduação ou qualquer curso em qualquer nível. Já atuava no jornalismo, porém ainda estudante, e cheio de "pegada", contestação, briga na veia e no coração.

A indignação se fez muito presente em 1986. Por causa da censura a um filme de Jean-Luc Godard - "Je vous salue Marie". Como se tratava de uma história atual para Jesus, onde Maria era uma jogadora de basquete e |José, um taxista, a Igreja Católica fez todo tido de pressão contra o governo do então presidente, José Sarney. Pois é, veja a história! Sarney mesmo.

Ele havia herdado a cadeira da Presidência de Tancredo Neves, morto um ano antes, após martírio de mais de um mês. Quem diria que o primeiro presidente pós-governos militares censuraria um filme. Ledo engano de quem pensou que ele não faria isto. Com toda a Igreja na pressão, Sarney impediu o lançamento do filme. Assim, a película se tornou um ponto de honra para a democracia. E foi aí que entrou o sangue jornalístico.

Com diversos colegas de curso foi decida a obtenção do filme para ser exibido. Como estava proibido, todas as cópias eram de má qualidade. Quem fosse pego com elas seria preso pela Polícia Federal. Assim, foi montada toda uma estratégia para que o plano desse certo. Coube a mim e um amigo a obtenção da fita. Ele trabalhava em aeroporto, o que facilitaria chegar à película.

Por cerca de 20 dias nos falávamos para que o filme pudesse ser exibido. Até codinomes assumimos, pois temíamos ser flagrados pelos agentes em ligações - e olha que não havia celulares. Com a certeza da fita, decidimos pelo local de exibição: o Diretório Acadêmico do curso de Comunicação Social da PUC de Campinas.. Por que? Pois se tratava de um "território livre" dentro da universidade ligada à Igreja. Conseguimos o videocassete. Mas faltou a TV.

Qual a solução? Eu pedir para o amigo com quem morava a TV da república. E assim foi feito. Na data marcada, colocamos a TV dentro do diretório, com a tela voltada para o pátio da lanchonete. Na  segunda sala do diretório ficamos com janelas abertas. Aproveitamos que do lado de fora, encostado na parede, havia um freezer desativado. Ele seria usado para esconder a fita.

Assim se fez: exibimos o filme, com uma imagem turva, mas mostramos e quebramos a censura. Logo ao final da fita, mesmo antes  do final dos créditos, arrancamos a fita do videocassete, corremos para a outra sala do diretório e jogamos a VHS dentro do freezer. Passado um tempo, quando todos tinham ido embora, retiramos a fita do freezer e saímos  com ela em uma mochila. Eu a levei embora.

Peguei carona e voltei para casa, também com o televisor. Ainda bem!, pois caso contrário eu e meus amigos Júnior e Wilson teríamos ficado sem TV por bom tempo. Fiquei com o filme por bastante tempo, até  que a então presidente do Diretório Acadêmico foi chamada na Polícia Federal. Ela quis a fita, mas não a entregou. Não sei o final que a deu para o filme. Mas de uma coisa tenho certeza absoluta: esta tomada de atitude na exibição do "Je vous salue Marie" me apontou que o jornalisrmo era meu destino, quer pela luta por liberdade, quer pelas ideias de cidadania, quer pela formulação de modos de burlar o prestabelecido e de criar maneiras para abordar os assuntos, quando entrei, definitivamente, no mercado de trabalho.

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