quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Carro é hotel para idoso diante delegacia

Trabalhar em feriados é algo que, para muitos, transforma-se em um martírio. Porém, quando se trata de determinadas pessoas, lugar em que me incluo, nada mais é que atuar na sua profissão em mais um dia da vida. E, por vezes, um dia que pode ser recheado de surpresa. Que rende uma história diferenciada para o jornalismo quando menos se acredita na situação ímpar, rara, inusitada, que lhe faz sentir o gostinho de "estar no lugar certo, na hora certa".

Foi isto que ocorreu em um Carnaval. Para fugir à regra da cobertura de fatos policiais "normais", como chances de casos de assassinatos ou depredações de ônibus. a decisão para aquele Carnaval foi passar a madrugada em delegacias, de forma a apanhar as ocorrências "quentinhas", ao chegaram na Polícia Civil, e antes mesmo de serem registradas.

Noite passada, madrugada praticamente vencida, e nada de contundente. Poucos casos, funcionários na porta do 1º Distrito Policial de Campinas, no bairro Botafogo, a conversar. O repórter também a trocar ideias. Até que, em certo momento, a porta de um dos carros estacionados diante da delegacia, do outro lado da Rua Sebastião de Souza, é aberta. Corro para perto, junto com um policial. Qual não é nossa surpresa ao vermos um homem, já idoso, no banco traseiro de um Citroen C3, prata.

Aproximo-me mais, escancaro a porta, jogo a luz do celular no banco traseiro e ouço a voz do homem: "Vim falar com o delegado. Ele disse para eu dormir aqui". Boquiaberto, questionei ao idoso sobre sua estada no carro. Ele, depois de bem acordado, explicou que passara ao lado do veículo, mexera na porta, que abriu, e então decidiu tirar um cochilo.

Diante do fato inusitado, o policial pediu para o homem sair do carro, que era fruto de uma apreensão da Polícia Civil, como tantos outros que à epoca eram guinchados para diante da delegacia e lá ficavam até serem removidos para um pátio. O homem saiu do carro e lentamente dobrou a esquina da Rua Sebastião de Souza, ingressando na Avenida Andrade Neves. Ele possivelmente foi procurar outro lugar para dormir. Eu e o policial fomos tomar o último copo de café de vários já consumidos durante a madrugada, já a pensar no repouso merecido, após o trabalho.

E a lojinha fechou, minha amiga

"É hora de abrir a lojinha". "Tá na hora de fechar a lojinha". Desta forma, Maria Helena começava e terminava seus dias de serviço em delegacias de Campinas. Era o jeito de dizer que estava no momento de abrir ou fechar sua sala. Sempre com sorriso no rosto, a brincar com os colegas, amigos. Sem tempo ruim. Havia momentos bons. E momentos bons. Sem mau humor na "lojinha".

Escrivã com vários anos na profissão, ela já passara por diversas delegacias de Campinas. A experiência que ganhos nesses anos, procurava passar para os mais novos. E a ajudar os amigos, fossem policiais ou não. Inclusive jornalistas. Sempre com uma história inusitada para relatar, por mais atarefada que estivesse, parava suas atividades para dar atenção. Convidar para um café. Fazer uma brincadeira.

Porém, como no universo nem tudo são bons momentos, em uma madrugada de janeiro de 2015, o coração de Maria Helena parou. Ainda jovem, internada por dias com suspeitas de dengue, inicialmente, liberada do hospital e de novo internada, ela nos deixou. A partir daquela manhã, a "lojinha não pôde ser mais aberta". Restaram as lembranças dos bons papos, do sorriso dela, das brincadeiras, além de uma foto, tirada pouco antes  do Natal de 2014, com outros amigos, pouco menos de um mês de nos deixar. Saudades, amiga, sempre saudades.