sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Um grito, uma olhada, talvez a salvação

Penúltimo dia do ano. Possivelmente 1993. Todo mundo somente a pensar na folga, pois eu havia trabalhado no Natal. Dia quente. A manhã começa e já são três histórias policiais que despertaram atenção; uma delas em potencial: uma garotinha, de mais ou menos 8 anos, havia ganho uma bicicleta no Natal e logo em seguida desaparecido.

O caso chegou aos policiais civis e militares. Equipe do Setor de Homicídios se entregou à apuração. A direção apontava para o pior: assassinato. Neste dia, isto se confirmou. Fui acompanhar os policiais desde a prisão do suspeito até onde ele dizia ter enterrado o corpo: perto de linha férrea, no bairro Matão, limite de Campinas e Sumaré.

Fato se confirmou, espera-se perícia no meio do mato e com o calor danado. Para voltar, uma trilha, pois carros não chegavam. O homem é levado para a delegacia. Eu penso nesta história e em outras duas que já tinha apurado, mas precisava escrever. Porém era preciso acompanhar aquele acusado de matar a menina e ainda com agravante de suspeita de violência sexual.

Na Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas (SP), o homem é levado para o segundo andar e fica trancafiado com policiais. Após bom tempo, entro na sala - como conhecia os policiais, tive certa dose de camaradagem para entrar antes dos demais colegas de imprensa.

Olhei muito para aquele homem, que apenas ficava de cabeça baixa, sentado. Quando eu procurava conversar, ele balbuciava palavras, que eu aproveitava. Mas antes de "tirar todo o serviço", outros colegas de imprensa entraram na sala; microfones e câmeras na frente daquele homem, que se calou por completo.

Nada mais falaria. Não desisti. Aproximei-me, agachei-me e lhe disse que era uma chance de ele se defender, pelo menos de negar o crime sexual - que na cadeia não é aceito mesmo, ainda mais com criança. Em determinado momento, o homem levanta a cabeça, nega o estupro, mas grita "Eu não mereço viver, não mereço não!!".

Corre em direção a uma das grandes janelas. Eu, mais de que depressa, também grito, com tom de implorar: "Não, não faça isto, não pule, uma quarta pauta (história) para hoje não aguento não". Um monte de policiais pulou sobre o acusado e o tirou de perto da janela. Após isto, muito riso: eu havia gritado para ele não se matar, pois pensei em minha situação. Pois a história ficaria ainda mais intrincada a ser relatada no jornal, levaria mais tempo e eu longe de minha folga.

Depois ouvi de colegas de mídia e policiais: "Você pode ter salvo este homem; ao gritar, ele perdeu segundos para te olhar e houve tempo de ser agarrado". É, talvez eu tenha mesmo evitado um mal maior para aquele homem, pois a lei já lhe seria aplicada com a prisão.

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