quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Quando virei "Cobrinha"

Anos 1990. Eu já atuava no jornalismo. Mas de uma hora para outra, em 1992, passaram-me para a cobertura policial. À época, este setor não era bem considerado dentro do jornalismo e, por vezes, tido como um "refugo". Passei a correr delegacias de Campinas, ter contato com policiais civis e militares de várias cidades. Mas já existiam repórteres policiais mais velhos. Um deles era uma lenda viva: Doná.

Ela já trabalhara por anos em jornal impresso e rádio. Na oportunidade, fazia rádio. Conhecia todos os policiais, todos os caminhos. Chegava nas delegacias e chegava a se apropriar de Boletins de Ocorrência (BOs) para ganhar tempo.

Ele sempre foi muito bom com o gravador e suas fontes. Mas um dia surgiu o celular. E ele não se adequou. Eu, por outro lado, procurei juntar uma graninha e comprei um. Foi o pulo do gato. Eu sempre ficava a olhar os BOs ao lado de Doná e, por vezes, ele dizia que não tinha nenhuma história, para ficar sozinho com informações. Vontade do "furo" que ainda acalentava.

Meu apelido sempre foi Gandhi. Mas Doná me rebatizou: "Cobrinha". Por quê? Pois com o celular, comecei a formar um grupo de fontes e de receber informações pelo aparelho. Os policiais também mudavam. Assim, quando folheava os BOs e caía uma ligação, largava tudo e me mandava. Doná questionava: "Desistiu hoje?". Eu respondia: "Não, acho que volto mais tarde".

Mas na real, da mesma forma que ele sumia com os BOs, eu corria para as histórias com os dados passados pelo celular. Um dia, entro em uma delegacia e um policial me olha e diz: "bom-dia Cobrinha". Espantado, achei estranho.

O policial explicou que Doná tinha passado por lá e se referido a mim como "Cobrinha", pois dava um banho nele várias vezes, quando corria da delegacia, após atender um telefonema. Era "Cobrinha" por ser rápido e, ao mesmo tempo, na avaliação dele, um puxador do tapete. Eu tinha aprendido a dar uns golpinhos para ter algumas histórias em primeira mão. Ainda mais em cima da lenda viva.

Anos depois, já bem abatido pela doença, Doná ainda percorria com bastante dificuldade as delegacias para continuar no trabalho. Por vezes me falava "Cobrinha, o que tá escrito que não enxergo direito". Eu lembrava de toda a história e até anotava dados para ele. E ele continuou a me chamar de "Cobrinha". Foi um professor, com a diferença que ele fez parte do rol de repórteres em que o atual "politicamente correto" (que por vezes provoca uma autocensura) não existia. Isto era um complicador, pois temos que ter o equilíbrio. Mesmo assim, Doná foi o cara.
                                                                       
                                                                           (em memória a Vanderley Doná)

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